A edição da Súmula ANM nº 1/2025, pela Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Mineração (ANM), inaugura um importante movimento de sistematização institucional da jurisprudência administrativa. Ainda que o conteúdo da súmula não represente novidade material para o setor — uma vez que apenas consolida o entendimento anteriormente fixado pela Orientação Normativa nº 12/2016 —, o ato inaugura um novo instrumento para uniformização de entendimentos, o que tende a conferir maior celeridade às decisões da ANM, conforme previsto no art. 134, IV, da Resolução ANM nº 181/2024.
A Súmula nº 1/2025 trata dos prazos decadenciais e prescricionais aplicáveis à cobrança da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), reproduzindo a exata orientação que a Agência vem aplicando há anos. Nesse sentido, o conteúdo sumulado apenas reafirma a posição institucional da ANM quanto ao tema.
Ainda assim, a publicação da súmula pode contribuir para maior agilidade nas decisões da ANM, ao mesmo tempo em que fornece às empresas mineradoras um ponto de partida para o diálogo técnico e jurídico com a ANM sobre temas que demandam maior reflexão ou revisão institucional.
Isso porque a consolidação do entendimento da ANM por meio de súmulas deve afastar o encaminhamento de processos para emissão de parecer jurídico pela Procuradoria Federal. Conforme previsto na Portaria do Diretor-Geral nº 389/2010 (artigos 7º, §1º, e 8º, §1º), caberá ao setor técnico a emissão de parecer sobre as questões formais e técnicas, ficando a Procuradoria restrita aos casos em que estiverem em discussão matérias jurídicas ainda não pacificadas administrativamente. Como a súmula pacifica a discussão jurídica, a participação da Procuradoria passa a ser formalmente dispensada.
Deve-se ter atenção à possibilidade de que questões já pacificadas possam não abranger toda a complexidade jurídica dos casos concretos. Isso pode levar o Setor de Arrecadação a proferir pareceres limitados ao conteúdo da súmula, sem a devida análise técnico-jurídica de todas as nuances envolvidas, especialmente aquelas que demandam a aplicação do distinguishing (distinção).
É o caso, inclusive, da própria discussão sobre a prescrição e decadência da CFEM. Como detalhamos anteriormente (clique aqui), a redação da parte final do § 1º do art. 47 da Lei nº 9.636/1998 impõe uma limitação quinquenal à exigibilidade da CFEM, e não decenal.
Trata-se de uma discussão que pode ser indevidamente interpretada, caso se aplique automaticamente a orientação da Súmula nº 1/2025, sem o aprofundamento jurídico e a distinção necessária.
Especificamente quanto ao conteúdo sumulado, a ANM reiterou o seu posicionamento já consolidado desde 2016 por meio da Orientação Normativa nº 12/2016. Partindo de uma interpretação das normas aplicáveis, definiu que: (1) os créditos relativos a fatos geradores ocorridos até 29/12/1998 estariam sujeitos ao prazo prescricional de cinco anos, sem previsão de prazo decadencial; e (2) aqueles relativos a fatos geradores ocorridos a partir de 30/12/1998 estariam sujeitos ao prazo decadencial de dez anos e prazo prescricional de cinco anos.
Essa interpretação, que retroage o prazo decadencial decenal para fatos geradores ocorridos a partir de dezembro de 1998 – embora a Medida Provisória que o instituiu só tenha sido publicada em 2003 – baseia-se no art. 2º da MP nº 152/2003, que estabelece a aplicação do novo prazo decadencial “aos prazos em curso para constituição de créditos originários de receita patrimonial.”.
Contudo, é preciso questionar: como pode uma norma de 2003 alterar o prazo decadencial de créditos cujo fato gerador ocorreu anos antes? Tal retroação encontra respaldo na Constituição e na legislação vigente?
Conforme comentamos à época (aqui), entendemos que a Medida Provisória nº 152/2003, posteriormente convertida na Lei nº 10.852/2004, somente produz efeitos a partir da sua vigência, ocorrida em 23/12/2003. Assim, o prazo decadencial de dez anos somente se aplicaria aos fatos geradores ocorridos após essa data.
A impossibilidade de aplicação retroativa da legislação decorre diretamente dos princípios constitucionais da irretroatividade e da segurança jurídica, consagrados nos arts. 5º e 60 da Constituição Federal, bem como no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
Portanto, a retroação do prazo decadencial decenal ainda pode ser judicialmente questionada, especialmente sob o prisma constitucional, diante do atual entendimento desfavorável do STJ aos contribuintes, firmado no julgamento dos Embargos de Divergência (EREsp 1.718.447/RS).
Não há dúvidas sobre o caráter constitucional da discussão a respeito da irretroatividade das leis que buscam atingir fatos anteriores à sua edição. Sobre esse tema, é importante destacar o julgamento da ADI 1.753/DF. Naquele caso, discutia-se a validade de Medida Provisória que majorou o prazo decadencial da ação rescisória, quando manejada pelas Fazendas Públicas e Ministério Público, de dois para quatro anos. O ministro Relator Sepúlveda Pertence, ao julgar a Medida Cautelar, afirmou que “sendo da melhor doutrina (…) o entendimento de que iniciado um prazo ‘não é mais suscetível de ser aumentado nem diminuído, sem condenável retroatividade’ (Carlos Maximiliano (…)”. Logo, o mérito dessa discussão, necessariamente, ainda precisará ser enfrentado pelo STF.
Esse movimento vinculado à edição de súmulas no âmbito da ANM, que é positivo em razão da busca pela celeridade, economia processual e segurança jurídica, deve ser acompanhado de forma próxima e com cautela pelo setor. Isso porque ele pode restringir o espaço de análise jurídica nos processos administrativos, na medida em que tende a limitar o debate a interpretações já firmadas, ainda que não estejam integralmente debatidas em todos os seus fundamentos.
A equipe tributária do William Freire Advogados Associados está à disposição para esclarecer dúvidas e orientar sobre questões relacionadas aos marcos temporais da CFEM.
Rodrigo Henrique Pires Pâmella Souto Pires

