A legislação prevê a concessão de aposentadoria especial aos segurados expostos a agentes nocivos à saúde ou à integridade física pelo prazo mínimo de 15 anos. Paralelamente, como fonte de custeio desse benefício previdenciário, os empregadores estão sujeitos ao adicional da contribuição previdenciária ao Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho (Adrat).
Há, portanto, uma relação indissociável: o Adrat somente incide quando o segurado está efetivamente exposto a agente nocivo que possa ensejar a concessão da aposentadoria especial. Diante das premissas de que o benefício depende diretamente dos danos decorrentes da exposição e de que o adicional só é devido nessa hipótese, pode-se concluir logicamente que o Adrat não incidirá caso sejam adotadas medidas capazes de neutralizar ou mitigar os danos, como o fornecimento de equipamentos de proteção individual ou coletiva (doravante tratados em conjunto como EPI).
Em 2014, ao julgar o Tema nº 555 de Repercussão Geral, a Suprema Corte analisou se a comprovada eficácia dos EPI seria suficiente para descaracterizar o tempo de serviço necessário à concessão de aposentadoria especial. No já longínquo julgado, o STF fixou duas teses: não há direito à aposentadoria especial se o EPI for capaz de neutralizar a nocividade; e no caso específico de exposição ao agente nocivo ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração da eficácia do EPI no PPP não descaracteriza o tempo especial para fins previdenciários.
Desde então, embora a tese fixada tenha sido a de que a declaração da eficácia do equipamento no PPP, por si só, não é suficiente para atestar sua efetividade, o julgado tem sido interpretado como se houvesse uma presunção absoluta de que nenhum EPI poderia mitigar os efeitos da exposição ao ruído. Assim, sempre que constatada a exposição a ruído acima dos limites legais, estaria caracterizado o tempo especial de serviço e, consequentemente, incidiria o Adrat, conforme Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 02/2019.
Para STJ, EPIs descaracterizam tempo especial de serviço
Recentemente, o STJ apreciou questões relativas à comprovação da eficácia do EPI para fins de concessão da aposentadoria especial no Tema nº 1.090 dos Recursos Repetitivos. Para os fins deste artigo, importa destacar que o STJ fixou a tese de que a indicação da existência de EPI no PPP descaracteriza o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais, nas quais o direito à contagem especial é reconhecido mesmo diante de comprovada proteção.
A exceção ressalvada pelo STJ é justamente a exposição ao ruído. Isto é, o STJ reconheceu que a anotação da eficácia do EPI no PPP é suficiente para descaracterizar o tempo especial de serviço, cabendo ao segurado o ônus da prova de demonstrar a ineficácia do equipamento, exceto para o ruído, hipótese em que a anotação no PPP não afasta a contagem do tempo especial.
Observa-se, no entanto, que a remissão feita pelo STJ ao Tema nº 555/STF não o convalida a ponto de encerrar as controvérsias relativas à incidência do Adrat, nem mesmo nos casos de exposição a ruído.
O STJ acompanhou a interpretação divulgada pela Receita Federal de que o STF teria presumido, de forma absoluta, a ineficácia dos EPI para neutralizar ou mitigar os efeitos nocivos da exposição ao ruído. Todavia, essa presunção absoluta não foi adotada pelo STF, sendo recomendável reexaminar a tese firmada no Tema nº 555 à luz das ressalvas feitas pela própria Corte à época.
Tema 555 dá aposentadoria especial a segurado
No caso que deu origem ao Tema nº 555, o Juizado Especial havia concedido a aposentadoria especial ao segurado, mesmo havendo anotação em seu PPP sobre o fornecimento de EPI eficaz. Entretanto, e por se tratar de questão probatória, naquele caso concreto a prova pericial comprovou a ineficácia do EPI. Assim, a Suprema Corte negou provimento ao recurso do INSS, em caso sustentado por prova pericial que atestou a ineficácia do equipamento, cujo reexame era inviável pelo Tribunal, haja vista a limitação de escopo do recurso extraordinário.
Nos debates sobre a redação das teses que seriam fixadas, os ministros reconheceram, em diversas passagens, que não poderiam afirmar, de forma abstrata, a ineficácia dos EPI. Por isso, debruçaram-se sobre os efeitos da anotação do fornecimento dos EPI no PPP, concluindo que, para o ruído, a mera declaração da eficácia não descaracteriza, necessariamente, o tempo especial de contribuição.
O que se presumiu ineficaz foi a declaração feita pelo empregador no PPP, mas não o equipamento em si.
Na formação das razões de decidir, o STF apoiou-se em estudos antigos e trabalhos acadêmicos elaborados por profissionais não especializados em segurança ou medicina do trabalho, cujas conclusões não eram imunes a críticas. No julgamento de 2014, o ministro Barroso destacou que a eficácia dos EPI é matéria sujeita a rápida evolução tecnológica, razão pela qual a solução da Corte deveria ser considerada provisória. Desde então, esses avanços têm ocorrido em ritmo exponencial, tornando irrazoável presumir, de forma absoluta, que nenhum EPI existente ou futuro seja capaz de mitigar os efeitos nocivos da exposição ao ruído.
TST já admitiu afastamento do adicional de insalubridade
Mesmo após o Tema nº 555, o TST já admitiu que a prova pericial em casos concretos pode comprovar a eficácia do EPI para mitigar os efeitos nocivos do ruído, afastando o adicional de insalubridade[1]. A instância máxima da Justiça do Trabalho tem reconhecido que o precedente do STF se aplica apenas à concessão de benefícios previdenciários e que a prova técnica pode, sim, atestar a validade do EPI. Esse entendimento reforça a conclusão de que o STF presumiu ineficaz a declaração do empregador no PPP, mas não a eficácia de todos os EPI.
Ademais, o entendimento adotado no Tema nº 1.090/STJ suscita relevante questão que ainda não foi totalmente superada pelo Tema nº 555/STF: o fato gerador do Adrat é a efetiva exposição ao ruído ou a concessão da aposentadoria especial? Ao conferir força probatória à anotação de EPI no PPP (ainda que tenha excepcionado o ruído), o STJ indicou que a contribuição é devida em razão da exposição ao agente nocivo, e não da concessão da aposentadoria especial.
Caso a cobrança do Adrat estivesse condicionada exclusivamente à concessão da aposentadoria especial, surgiriam diversos questionamentos. Por exemplo: se o empregador não recolheu a contribuição, mas o benefício foi concedido posteriormente ao segurado, a Receita Federal poderia cobrar o Adrat apenas a partir da concessão ou de forma retroativa, observando-se o prazo prescricional? Além disso, as autuações da Receita deveriam estar acompanhadas de prova da concessão da aposentadoria especial aos segurados? A cobrança poderia ser feita prospectivamente, enquanto perdurasse o benefício previdenciário, mesmo sem relação de trabalho entre segurado e empregador? Se admitida essa cobrança prospectiva, qual seria a base de cálculo, considerando que não há remuneração paga pelo empregador ao aposentado?
Cobrança do Adrat
Pela expressão “efetiva exposição” contida no artigo 201, § 1º, II da Constituição, bem como pelas expressões “tiver trabalhado sujeito a” e “atividade exercida” contida no artigo 57, caput e § 6º da Lei nº 8.213/91, denota-se que a interpretação mais correta é a de que é a exposição ao agente nocivo que atrai a incidência do Adrat e não a concessão da aposentadoria. Assim, a cobrança deveria se limitar ao período em que o trabalhador esteve efetivamente exposto ao agente, respeitados os prazos prescricionais.
Ainda assim, essa situação também suscita questionamentos. Caso o contribuinte tenha recolhido o Adrat durante os períodos de 15, 20 ou 25 anos, mas a aposentadoria especial não seja concedida ao segurado, poderá pleitear a repetição do indébito? Se sim, somente do período de cinco anos admitido pelo prazo prescricional? O não surgimento da despesa que motivou a cobrança do custeio anula ou torna a obrigação inexigível? Em outras palavras, quais são os efeitos da inexistência da despesa que fundamentou a cobrança do tributo de arrecadação vinculada?
Desse modo, observa-se que nem o Tema nº 555/STF nem o Tema nº 1.090/STJ encerraram as controvérsias sobre o Adrat. Não bastasse o fato de que ambos examinaram questões relacionadas à concessão de benefícios previdenciários, o próprio Supremo destacou que seu posicionamento estaria sujeito a mudanças, seja pela evolução tecnológica dos EPI, seja pela limitação ao reexame de provas. Prova disso é que o TST, como mencionado, tem admitido provas periciais que atestem a eficácia de EPI para mitigar os efeitos da exposição ao ruído.
Apesar da tentativa da Receita de transformar a decisão do Supremo numa presunção absoluta de ineficácia dos EPI para fins tributários, ainda subsistem diversas questões relativas ao Adrat a serem enfrentadas pelos tribunais, o que torna questionáveis as cobranças administrativas implementadas pela Receita.

